O verdadeiro amor sobrevive à morte
ALTAMIRANDO CARNEIRO
A
história amorosa do casal Romeu e Julieta, escrita por William
Shakespeare, é o mais famoso caso de amores trágicos, registrados em
toda a literatura universal. Analisada sob o ponto de vista geral,
poderíamos enquadrá-la no dito popular: “quem ama não mata.” Sob o ponto
de vista da reencarnação, o drama, se real, assumiria proporções
gigantescas, pois, no caso, teria havido um homicídio, seguido de
suicídio. De positivo, há um fato: o amor existente entre os dois
jovens.
Na literatura espírita há um romance ditado por J. W. Rochester, psicografia da médium Wera Krijanowski, intitulado A vingança do judeu (FEB),
que retrata a história de um rapaz impedido de prosseguir o romance com
a jovem que amava, pelo fato de ser judeu. Ele casou-se com outra moça,
ao tempo em que a ex-consorte casou-se com outro rapaz. Ele arquiteta
uma vingança contra a família da moça. Os dois filhos nasceram no mesmo
tempo. Há então a troca das crianças, isto é: ele criou o filho de sua
amada e ela criou o seu filho, judeu.
A
família da moça vivia estranhando os modos do menino, sem desconfiar da
trama, revelada somente quando as crianças estavam adultas. As
implicações espirituais do ocorrido são explicadas por Rochester, bem
como a caminhada dos Espíritos nas sucessivas reencarnações. A vingança do judeu é
um drama acontecido em séculos passados, mas que não difere dos dramas
amorosos da atualidade. Antes de tudo, é a história de dos Espíritos
afins.
Identidade de Espíritos – O capítulo IV de O Evangelho segundo o Espiritismo diz
que os Espíritos formam, no espaço, grupos unidos de afeição, pela
simpatia e semelhança de inclinações. São Espíritos que se sentem
felizes por estarem juntos. Espíritos que se procuram. A encarnação os
espera, como amigos que se separam momentaneamente. Muitas vezes seguem
juntos na encarnação, reunidos na mesma família ou no mesmo círculo,
trabalhando juntos, para o progresso comum.
O
Evangelho ressalta que somente a verdadeira afeição, de alma para alma,
sobrevive à destruição do corpo. Os seres que se unem na Terra somente
pelos sentidos não têm motivos para se preocuparem no mundo dos
Espíritos. Só as afeições espirituais são duradouras. As afeições
carnais extinguem-se com a causa que as provocou. Quanto às pessoas que
se unem só por interesse, nada são umas para as outras: a morte as
separa na Terra e no céu.
Há
de se entender que, muito embora os Espíritos guardem as formas
características da sua última encarnação, eles não têm sexo, como
entendemos, porque isso depende de sua constituição orgânica. Há entre
eles amor e simpatia, baseados na afinidade de sentimentos. O Espírito
que animou o corpo de um homem pode animar o de uma mulher numa nova
existência, e vice-versa, dependendo das provas por que tenha de passar.
Como devem progredir em tudo, cada sexo, cada posição social,
oferece-lhes provas, deveres especiais e ocasiões de adquirir
experiências.
O Lar – Essas considerações nos levam invariavelmente a desenvolver um histórico sobre o Lar, que, como diz André Luiz na obra Nosso Lar (FEB),
psicografada por Francisco Cândido Xavier, é como um ângulo reto nas
linhas do plano da evolução divina, sendo a reta vertical o sentimento
feminino, envolvido nas inspirações criadoras da vida e a reta
horizontal o sentimento masculino, em marcha de realizações no campo do
progresso comum.
Diz
André Luiz que o Lar é o templo onde as criaturas devem unir-se mais
espiritualmente que corporalmente. E acentua que a organização doméstica
também existe no Mundo Maior, sendo que o Lar terrestre se esforça por
copiá-lo. Só que na Terra, com exceções, os cônjuges agem pelos
sentimentos, pela vaidade pessoal, pelo ciúme, pelo egoísmo. Tal como
acontece na Terra, a propriedade no Plano Espiritual é relativa e as
aquisições são feitas à base de horas de trabalho (bônus-hora).
No
fundo, o bônus-hora é o dinheiro, lá. Quaisquer utilidades são
adquiridas com os referidos cupons, mediante esforço e dedicação. Com
trinta mil bônus-hora, cada família espiritual pode conquistar um lar
(não mais que um). André Luiz fala, na obra referida, sobre a senhora
Laura, mentora que o acompanhava. Ela explicou-lhe ter um lar,
conquistado pelo trabalho perseverante de seu esposo, que foi para o
Plano Espiritual muito antes dela. Estavam separados pelos laços físicos
por 18 anos, mas continuavam unidos pelos laços espirituais. Recolhido à
colônia Nosso Lar, Ricardo não descansou. Depois de um período de
perturbações, compreendeu a necessidade do esforço ativo, preparando um
ninho para o futuro.
Amor, alimento das almas – É preciso entender que cada qual é responsável espiritualmente pelas suas ações, isto é: se
lesarmos uma pessoa no campo afetivo, arcaremos espiritualmente com as
consequências do que fizermos. Cada palavra dada, cada compromisso
assumido é responsabilidade adquirida. E não poderia ser de outra
maneira, pois somos Espíritos encarnados em evolução para Deus.
Deus é amor. E só pelo amor chegaremos até Ele. Diz a obra Nosso Lar que
quando Jesus disse: “Amai-vos uns aos outros”, não estava falando
apenas dos princípios de caridade, mas aconselhando-nos a nos alimentar
uns aos outros, no campo da fraternidade e da simpatia. O homem
encarnado saberá mais tarde que a conversação amiga, o gesto afetuoso, a
bondade recíproca, a confiança mútua, a luz da compreensão, o interesse
fraternal, patrimônios que se derivam do amor profundo,
constituem sólidos alimentos para a vida em si. Mas, acentua André Luiz,
o fenômeno não é simplesmente sexual. O sexo é a manifestação sagrada
desse amor universal e divino, mas apenas uma expressão isolada do
potencial inimigo. Entre os casais mais espiritualizados, o carinho e a
confiança, a dedicação e o entendimento mútuos permanecem muito acima da
união física, reduzida entre eles à realização transitória. A permuta
magnética é o fator que estabelece ritmo necessário à manifestação da
harmonia. Para que se alimente a ventura, basta a presença e, às vezes,
apenas a compreensão.
A
vida terrestre se equilibra no amor, sem que a maior parte dos homens
se aperceba. Almas irmãs, almas afins, constituem pares e grupos
numerosos. Unindo-se umas às outras, amparando-se mutuamente, conseguem
equilíbrio no plano de redenção.
Grandes amores da literatura mediúnica – As
histórias dos grandes amores descritas pelos romances mediúnicos são as
mesmas que acontecem entre nós, por serem extraídas pelos Espíritos da
própria vida. As obras que vamos citar, editadas pela Federação Espírita
Brasileira, constituem exemplos dentre os grandes romances da literatura espírita.
O romance Paulo e Estêvão,
ditado por Emmanuel por meio de Francisco Cândido Xavier, revela-nos o
amor de Paulo de Tarso (na época Saulo de Tarso) e Abigail, irmã do
apóstolo Estêvão, lapidado (morte por apedrejamento) por
ordem de Saulo, então perseguidor implacável dos cristãos. Saulo, que
era noivo de Abigail, desconhecia que esta era cristã e tampouco irmã de
Estêvão.
Em Há Dois Mil Anos,
Emmanuel conta a história de uma de suas encarnações como Públio
Lêntulus, procurador na Judeia, que conheceu Jesus pessoalmente e deixou
um belo escrito sobre o Mestre, até hoje divulgado com o título de
Retrato de Jesus. Públio era esposo de Lívia e um grande amor unia os
dois. Tinha a postura do militar, do dirigente, da autoridade. Lívia, ao contrário, era toda amor e doçura.
Alcíone, o amor em forma de mulher – Há Espíritos que vêm à Terra com a missão de exemplificar o amor entre as criaturas, reerguendo-as moralmente, pelo exemplo que dão. No livro intitulado Renúncia, ditado
por Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier,
enternece-nos a história de um desses Espíritos reencarnado na Terra na
pessoa de Alcíone. A história é real e se passa no século de Luís XIV,
na França, Espanha, Irlanda e Américas. Destacamos trechos do prefácio
do livro, escrito por Emmanuel, com o título Velhas recordações:
“Quem
poderá deter as velhas recordações que iluminam os caminhos da
eternidade? Lembramo-nos de Alcíone, desde os dias de sua infância.
Muitas vezes a vi, com o Padre Damiano, num velho adro de Espanha,
passeando ao pôr-do-sol. Não raro, levantava o semblante infantil para o
Céu e perguntava, atenciosa:
- Padre Damiano, quem terá feito as nuvens, que parecem flores grandes e pesadas, que nunca chegam a cair no chão?
- Deus, minha filha – Dizia o sacerdote.
Mas, se no coração pequenino não devesse existir esquecimento das coisas simples e humildes, voltava ela a interrogar:
- E as pedras, quem teria criado as pedras que seguram o chão?
- Foi Deus também.
Então, após meditar, de olhos mergulhados no grande crepúsculo a pequenina exclamava:
Ah! Como Deus é bom! Ninguém ficou esquecido!
E
era de ver-se a bondade singular, o interesse pelo dever cumprido,
dedicado à verdade e ao bem. Cedo compreendi que a família afetuosa de
Ávila se constituía de amizades vigorosas, se perdiam no tempo.
Os
anos – minutos do relógio da eternidade – correram sempre movimentados e
cheios de amor. A criança de outros tempos tornara-se a benfeitora
cheia de sabedoria. Sua vida não representava um feixe de atos comuns,
mas um testemunho permanente de sacrifícios santificantes. Desde a
primeira juventude, Alcíone transformara-se em centro de atenções, em
fonte de luz viva, onde se podiam vislumbrar as claridades augustas do
Céu. Sua conduta, na alegria e na dor, na felicidade e no obstáculo, era
um ensinamento generoso, em todas as circunstâncias.
Creio
mesmo que ela nunca satisfez a um desejo próprio, mas nunca foi
encontrada em desatenção aos desígnios de Deus. Jamais a vi preocupada
com a felicidade pessoal; entretanto, interessava-se com ardor pela paz e
pelo bem de todos. Demonstrava cuidado singular em subtrair, aos olhos
alheios, seus gestos de perfeição espiritual, porém queria sempre
revelar as ideias nobres de quantos a rodeavam, a fim de os ver amados,
otimistas, felizes.
Minhas
experiências rolaram devagarinho para os arcanos do Tempo; a morte do
corpo arrastou-me a novos caminhos e, no entanto, jamais pude esquecer a
meiga figura de anjo, em trânsito pela Terra. Mais tarde, pude
beijar-lhe os pés e compreender-lhe a história divina.”
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